Definition


... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 48 - Dezembro 2012

Conto - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração de José Geraldo de Barros Martins


A Sereia Vesga Do Mar Do Engôdo

Itacyr de Souza e Barros caminhava melancólico pela areia de Copacabana, vindo de mais uma noitada de trabalho. Trajando um elegante “summer jacket”, parou de repente defronte ao oceano, ajeitou o trombone que trazia indolentemente, e começou a tocar o bolero “Frente al Mar” de autoria de Marianito Mores e Taboada.

A medida que a melodia evoluia, o nosso protagonista começou a perceber uma luminosidade estranha vinda das águas… primeiro percebeu um rochedo surgir do império de Netuno, depois sobre a referida rocha, notou a figura de uma mulher linda, porém metade peixe “Meu Deus, não acredito… é uma sereia!!!” pensou…

- Sim, sou mesmo… você nunca acreditou que seres como eu existissem???

- Não sei… sei lá… é muito complicado… Respondeu Itacyr um tanto quanto titubeante, emendando logo a seguir: – Eu já li sobre algumas lendas: o Boitatá o Saci, o Negrinho do Pastoreio a Mula sem

- Esqueça – interrompeu a beldade marinha – estas criaturas pertencem ao folclore… eu não… eu surgi em 1956, através de uma figura de linguagem de um poema que se materializou na minha pessoa. Eu sei de muitas coisas, inclusive o motivo de sua tristeza… é por causa daquela que é o grande amor da sua vida e nunca te deu bola.

- Poxa… é mesmo…

- Então… vamos fazer um trato você grava uma música usando a poesia da qual surgi, que a mulher que você tanto deseja virá em um piscar de olhos…

- Mas por que você precisa que o poema seja musicado??? Perguntou o nosso amigo estarrecido.

- O poema que te falei, chama-se “O Ataque do Poeta a Copacabana” de autoria de Paulo Gomide, e quase ninguém se lembra dele… no dia em que for totalmente esquecido eu desaparecerei… porém se alguém musicá-lo eu poderei viver por muito mais tempo… e a música será um sucesso, garanto…

- Gozado , meu pai sempre me falou de um cara com este nome que dava aula de bússola mental , que só tomava taxi preto com motorista português , que levava sete malas para passar uma só noite no Copacabana Palace , e que …

- É este mesmo – interrompeu novamente a nossa protagonista – Trato feito ???

- É claro …

- Só mais uma coisa … no dia em que sua querida se apaixonar por você ela se tornará vesga …tudo bem ???

- Tudo bem . – Respondeu Itacyr percebendo que a sereia também era estrábica .

Deu-se o combinado, o trombonista depois de algum esforço, conseguiu achar em um sebo, o livro “Rio de Janeiro em prosa e verso”, editado em 1965, que continha a poesia supracitada; musicando-a. A gravação fez enorme sucesso, a dama dos sonhos do músico repentinamente se apaixonou pelo rapaz e começou a apresentar sinais latentes de estrabismo, e a sereia continua feliz e radiante.

Aqui vai o poema que deu origem a estória:

Ataque Do Poeta A Copacabana

Que fim levaram teus cajueiros

Que perfumavam a areia clara,

Copacabana de maconheiros

E paus de arara?

Sereia vesga do mar do engôdo,

Maré-me-leva, maré-me-traz,

Por quem patinas no asfalto o lôdo

Dos conformismos sentimentais?

Ó polinésia de vigaristas.

Esgôto escuso de tantos ais,

Não te envergonhas de tuas conquistas

Tabela-Price?

Não te envergonhas das tuas vergonhas

Poluindo o oceano de tuas manhãs?

Não te envergonhas dos sem-vergonhas

Que te entulharam de cortesãs?

Nossa Senhora dos Condomínios

Que maus presságios andam aos ventos

Da grande praia dos lenocínios

E apartamentos…

De forte mesmo, só resta o forte

Da bela imagem, que o resto é mangue

De vidas podres vendendo a morte

Financiamentos de amor e sangue.

Nossa Senhora do Lago Andino;

Por teu menino, tua candeia,

Lava este bairro do mau destino

Que o lisongeia.

( Paulo Gomide )

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